Prática Desportiva Profissional: Incertezas e Proposições – (Artigo publicado na Revista Nº 1 da ANDD – Academia Nacional de Direito Desportivo, RJ, 2016)

em 2 de agosto de 2017

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Prática Desportiva Profissional – Incertezas e Proposições – Ricardo Gehling

 

PRÁTICA DESPORTIVA PROFISSIONAL: INCERTEZAS E PROPOSIÇÕES

 

Ricardo Tavares Gehling[1]

 

Resumo.

 

O presente trabalho objetiva o estudo da profissionalização da prática desportiva no Brasil, traçando um comparativo entre a realidade e o que está normatizado em lei. Sob o método interpretativo-dedutivo e partindo das definições legais sobre desporto profissional e não profissional, apresenta o exame crítico da utilização do contrato especial de trabalho desportivo como requisito dessas definições e formula sugestões alternativas para aprimoramento da lex sportiva. Descreve a natureza jurídica desse tipo formal e solene de contrato e destaca a incompatibilidade entre seus elementos constitutivos essenciais e o contrato tácito de trabalho comum. Aponta alternativas para compatibilizar o princípio da primazia da realidade nos casos de reconhecimento de relação de emprego sem a formalidade exigida em lei como pressuposto de validade do negócio jurídico.

 

Palavras-chave: Atleta. Esporte. Profissional. Contrato. Trabalho.

 

 Abstract

 

This study aims to research the professionalization of sport in Brazil, drawing a comparison between the reality and what is ruled by law. Under the interpretive-deductive method and based on legal definitions of professional sports and unprofessional, develops critical examination of the use of the special contract of sports work as a requirement of these definitions and makes alternative suggestions for improving the “lex sportiva”. It describes the legal nature of this formal and solemn type of contract and highlights the incompatibility between its essential constituents and the tacit contract of common work. It also points out alternatives to reconcile the principle of the primacy of reality where recognition of the employment relationship without the formality required by law as valid assumption of the legal business.

 

Keywords: Athlete. Sport. Professional. Job contract. Work.

 

 Introdução

 

            Questão que enseja muitas dúvidas e interpretações equívocas é a que envolve a diferenciação entre a prática desportiva profissional e não profissional, na medida em que as definições de uma e outra forma de desenvolvimento do esporte não coincidem, necessariamente, com a acepção comum do que seja um profissional nessa área da atividade humana: o contrário de amador, isto é, o que faz do esporte o seu meio de vida e de subsistência.

Agrava essa desarmonia o fato de a legislação vigente exigir, como um dos requisitos da caracterização da prática desportiva profissional, o recebimento de remuneração pactuada em contrato formal de trabalho, em contraponto ao modo não profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio (art. 3º, § único, I e II da Lei 9.615/98).

O quadro de desconcerto se completa com a caótica jurisprudência trabalhista a respeito da matéria, ora reconhecendo contrato de trabalho desportivo em detrimento de outras formulações, com base no princípio da primazia da realidade, ora decidindo em sentido contrário, tendo em vista as exigências formais contidas em lei e o caráter especial e solene desse tipo de contrato.    

Numa época em que se cogita aperfeiçoar a lex sportiva, parece oportuno, portanto, que se aprofunde o estudo crítico da matéria e se formulem proposições que, longe de se pretender definitivas, sejam colhidas como mero subsídio ao debate.

 

  1. Breve histórico da profissionalização do desporto no Brasil

 

            O resgate histórico da evolução do esporte no Brasil confunde-se com o dos clubes de futebol e remonta ao limiar do século XX.  O futebol, então, era praticado como mero lazer por integrantes da elite da sociedade. Tanto que, em 1914, a equipe do Clube de Regatas Flamengo era composta por nove estudantes de medicina e um de direito (Sussekind, 1996, p. 45).

O profissionalismo nessa modalidade esportiva, como já assinalamos[2], surgiu na década de 30, quando sete clubes do Rio de Janeiro – Fluminense, Vasco, América, Bangu, Botafogo, Flamengo e São Cristóvão – decidiram em Assembleia, com um placar apertado (4 x 3), oficializar o contrato de seus atletas, pagando-lhes uma remuneração mensal, medida logo seguida por equipes de outros Estados, especialmente São Paulo (SOARES, 2008, p. 51).

A passagem da fase do elitismo ou amadorismo para uma incipiente profissionalização foi inexorável, embora gradativa, na medida do crescente êxodo de atletas brasileiros para a Europa e da ampla divulgação dada pelo rádio e pelo jornalismo popular em meados dos anos 30. E não transcorreu sem tensões e desentendimentos, especialmente devido a preconceitos raciais e sociais. SANTOS (2012, p. 4), citando LOPES (1994, p. 70), traz importantes considerações a esse respeito:

Até a oficialização do profissionalismo no futebol brasileiro em 1933, coexistiam no Brasil as práticas amadorística e profissional. Em São Paulo, a APEA e a Liga de Amadores de futebol – LAF, apesar de permitirem aos jogadores receberem salários dos seus clubes, defendiam um futebol praticado por pessoas que fizessem parte da alta sociedade.

As remunerações iam da oferta de presentes até um profissionalismo não declarado. Nesse caso, podemos dizer que, a partir do momento em que a APEA resolveu cobrar ingressos nos jogos, estava lançada no Brasil as bases do profissionalismo. O primeiro clube a assumir que oferecia gratificações aos jogadores foi o Clube de Regatas do Vasco da Gama, em 1923. O fato é que na década de 20, com a divulgação do futebol entre as classes populares, alguns jogadores negros, mestiços e pobres chegaram aos clubes da primeira divisão [Lopes, 1994, p.70].

A essa fase, pré-contratual diríamos, em que se esboçava uma profissionalização segundo regras privadas e sob a compreensão comum de prática desportiva em troca de remuneração como fonte de subsistência, seguiu-se a de definição contratual da relação de trabalho desportivo, mas sem deixar explícita, a princípio, a natureza jurídica desse tipo de contrato. Exemplo dessa indefinição foi o Decreto-lei nº 5.342, de 25 de março de 1943, elaborado no âmbito do Ministério da Educação e Saúde, que em seu art. 5º dispunha: As relações entre atletas profissionais ou auxiliares especializados e as entidades desportivas, regular-se-ão pelos contratos que celebrarem, submetendo-se estes às disposições legais, às recomendações do Conselho Nacional de Desportos e às normas desportivas internacionais. MORAES FILHO (1976, p. 148) esclarece:

Evitava-se dar a natureza jurídica desses contratos, de propósito deixados sem adjetivação, mas inequivocamente tidos pela doutrina da lei como não de trabalho. O seu registro, a carteira profissional, tudo, enfim, girava em torno do Conselho e do Ministério da Educação, sem qualquer referência, em momento algum, ao seu vizinho de sede principal, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Pouco depois, em 1º de maio de 1943, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho que, no parágrafo primeiro do seu artigo 2º definiu: Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

Mas esse verdadeiro limbo jurídico só foi definitivamente superado com o advento da Lei 6.354/76, quando o atleta profissional adquiriu expressamente o status de trabalhador, com direitos e deveres inseridos num contrato de trabalho (arts. 1º, 2º e 3º), regido pela lei especial e pelas normas gerais da legislação do trabalho (art. 28). Passou a ser chamada Lei do Passe, embora a exigência de pagamento do passe nas transferências de atletas de um clube para outro já ocorresse em período anterior, a princípio sem qualquer limitação, em face dos contratos livremente pactuados, depois com base no Decreto 53.820/64 que, em contrapartida, assegurou ao atleta percentual sobre o valor pago e condicionou as cessões e transferências à sua anuência.

A Constituição da República de 1988 veio a romper o controle estatal sobre o esporte e a consolidar sua ligação com o direito, estabelecendo como dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. MELO FILHO (2011, p. 39), idealizador e arquiteto da principiologia insculpida no art. 217 da Constituição é quem mais tem autoridade para realçar o seu significado:

Ponha-se em destaque que a edificação de postulados jusdesportivos na Lei Maior criou condições para uma nova era desportiva no Brasil, seja fortalecendo a iniciativa privada, seja delimitando a ingerência estatal em matéria desportiva, seja ainda afastando qualquer atuação policialesca inibidora da criatividade e “castradora” da autonomia dos entes desportivos.

Dez anos depois foi aprovada a Lei 9.615 (Lei Pelé) que extinguiu a figura do passe, atribuiu aos clubes a obrigatoriedade, depois revogada, de se constituírem em clubes empresas, enquadrou o torcedor como consumidor, viabilizou a criação de ligas pelas entidades de prática do desporto e dispôs sobre o direito de arena. A extinção unilateral antecipada do contrato passou a ser admitida mediante uma compensação financeira (cláusula penal). Sofreu inúmeras e sucessivas alterações, até ser consolidada num novo texto pela Lei 12.395/2011, que revogou integralmente a Lei 6.354/76 e alterou mais de metade dos dispositivos da Lei Pelé, dispondo, dentre outros aspectos relevantes, sobre duração do trabalho do atleta profissional, concentração e acréscimos remuneratórios, cláusulas indenizatória e compensatória em substituição à cláusula penal.

A redação original da Lei 9.615/98 previa que o desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I – de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; II – de modo não profissional, compreendendo o desporto: a) semiprofissional, expresso em contrato próprio e específico de estágio, com atletas entre quatorze e dezoito anos de idade e pela existência de incentivos materiais que não caracterizem remuneração derivada de contrato de trabalho; b) amador, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de qualquer forma de remuneração ou de incentivos materiais para atletas de qualquer idade.

Esta subdivisão da modalidade não profissional foi revogada pela Lei 9.981/2000. Passou-se a admitir desde então, no plano formal, apenas o desporto profissional e não profissional como modalidades do desporto de rendimento.

O desporto de formação, considerado genericamente como não profissional (art. 29, § 4º, da Lei Pelé), passou a integrar item específico, entre as manifestações com que o desporto é reconhecido na Lei 9.615/98, por força da inclusão do item IV ao seu artigo 3º pela Lei 13.155/2015, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva não apenas em termos competitivos ou de alta competição, mas também recreativos. Esta alteração, que pouco tem sido salientada, é relevante e sintomática, pois torna no mínimo questionável a natureza jurídica de aprendizagem estritamente profissional dada a esse tipo de relação, cujas restrições praticamente inviabilizam a formação em alto nível. Este é um tema que, pela complexidade, demandaria enfrentamento específico.

A Lei 13.155/2015, de conversão da Medida Provisória nº 671/15, instituiu o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT, a Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT e estabeleceu princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol, além de parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União e de outras alterações legislativas.

A história da profissionalização do desporto no Brasil, portanto, após o período pré-contratual de superação da prática esportiva até então exercida com proeminência às finalidades de lazer e de educação física, pode ser dividida em três grandes fases, assim representadas:

 

  1. A prática desportiva profissional segundo a rígida e excludente definição legal

 

Do ‘desporto-antítese do trabalho’ transita-se, pois, para o ‘desporto-espécie de trabalho’. Com efeito, para o praticante profissional a actividade desportiva deixou de constituir uma recreação destinada ao repouso da fadiga ou uma alternativa à monotonia de um trabalho que oprime e consome; para este praticante, a actividade desportiva, actividade constante e absorvente, carregada de obstáculos e problemas, ‘é o seu próprio trabalho’ (LEAL AMADO, 2002, p. 43).

Do diletantismo para o trabalho, da vocação para a ocupação, do amadorismo para o profissionalismo (cf. MORAES FILHO, 1976, p. 154), a mudança foi radical, firmando-se na lei como empregatícia a natureza jurídica da prestação de serviços profissionais de futebol às entidades desportivas.

Numa acepção comum, desportista profissional é o que exerce, por dinheiro, uma ocupação comumente exercida como passatempo. Futebol profissional, portanto, seria o exercido como meio de vida, ou pelo ganho, por profissionais ao invés de por amadores[3]. A legislação pátria, todavia, seguiu um caminho tão tortuoso quanto distante da realidade para definir o que seja desporto profissional. O contrato especial de trabalho desportivo passou a ter importância capital, exagerada, na rígida definição legal adotada em nosso ordenamento.

 De plano é preciso destacar que, para dar concretude à norma de eficácia contida a que se refere o inciso III do art. 217 da CF[4], a lei não conceitua desporto profissional, mas prevê que o desporto de rendimento[5] pode ser organizado e praticado desse modo, conforme determinados requisitos.

Assim, define a Lei Pelé em seu art. 3º, § único, que o desporto de rendimento pode ser organizado e praticado: I – de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; II – de modo não profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. No caput do art. 28 reafirma que a atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva.

Pelo disposto no art. 28A, considera-se autônomo o atleta maior de 16 anos que não mantém relação empregatícia com entidade de prática desportiva, auferindo rendimentos por conta e por meio de contrato de natureza civil, mas esse preceito não se aplica, face à restrição contida no seu § 3º, às modalidades desportivas coletivas.

Fechando o cerco de uma definição rígida e excludente, o parágrafo único do art. 26 da Lei 9.615/98 considera competição profissional aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo, enquanto o art. 94 da mesma lei dispõe ser obrigatória a celebração de contrato especial de trabalho desportivo exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol [6].  A contrario sensu, em todas as outras modalidades, individuais ou coletivas, a celebração de contrato especial de trabalho desportivo é facultativa.

Nas modalidades em que é facultada a celebração de contrato especial de trabalho desportivo é evidente que o uso dessa faculdade é exceção, independentemente da natureza da competição, das rendas auferidas e da contraprestação paga aos atletas a título de “incentivos materiais” e de “patrocínios”. Em muitos casos há um verdadeiro abismo entre a idealização normativa e a realidade, pois atletas considerados pela lei como não profissionais recebem valores vultosos, sob as mais variadas rubricas, não sendo possível disfarçar que o esporte para eles é, sem dúvida, o único ou o mais importante meio de vida.

LEAL AMADO (2002, p. 56) aponta que a principal causa destas tão frequentes situações de “falso amadorismo ou profissionalismo encapotado parece residir na forte tensão estabelecida entre o inelutável avanço do profissionalismo desportivo ao longo de todo o séc. XX, por um lado, e, por outro, a algo teimosa manutenção do ideal olímpico tal como desenhado por Pierre de Coubertin no séc. XIX”.

Este descompromisso com a realidade, com os fatos da vida, tem um preço, pois Direito e relações jurídicas constituem construção mental que não existe na realidade palpável e perceptível pelos sentidos, mas somente na cabeça das pessoas. Na base das concepções sempre estão fatos observáveis. Estes fatos devem ter existido antes que no cérebro humano se formasse qualquer ideia de direito ou de relação jurídica. E mesmo no presente precisamos ter diante de nós determinados fatos, para podermos falar de direito e de relações jurídicas (EHRLICH, 1986).

Numa dimensão sociológica, “a regra jurídica somente se realiza quando, além da coloração, que resulta da incidência, os fatos ficam efetivamente subordinados a ela. Aí, a vontade humana pode muito” (PONTES DE MIRANDA, 1983, T. I, p. 36). MELO (2003, p. 15) complementa:

Na verdade, a perfeita realização do direito implica a subordinação dos fatos da vida à norma jurídica que os previu e regulou. Desde quando essa subordinação seja defeituosa, por não coincidirem a aplicação e a incidência, ter-se-á evidente imperfeição na organização jurídica da sociedade, porque este é o elemento que serve para medir o ‘grau de perfeição do grupo social, no tocante ao traçamento jurídico’ (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, T. I, p. 37).  Se há descompasso entre a incidência – que se dá no mundo de nossos pensamentos, portanto, impossível de ser modificada em sua veracidade – e a aplicação – que é ato humano exteriorizado, isto é, vida humana objetivada -, demonstra-se que, ou a realidade social é diferente das normas prescritas, e então elas não representam com fidelidade os valores do grupo, ou o aparelhamento encarregado de realizar o direito é insatisfatório”.

SANTORO (2012, p. 5), em Parecer apresentado na Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos do Ministério do Esporte, aponta com propriedade que “Guga Kuerten, que passou a vida de atleta de alto rendimento disputando competições da ATC (Associação dos Tenistas ‘Profissionais’), pela legislação esportiva brasileira não seria um atleta profissional, justamente por não ter contrato formal de trabalho desportivo celebrado com um clube”.  Além disso, tece outras pertinentes críticas a esse modelo que evidenciam com solar clareza o preço que se paga pelo conceito de profissionalização absolutamente descomprometido com a realidade:

Tal definição tem consequências não apenas no âmbito da Lei Pelé, como também no Estatuto de Defesa do Torcedor que, em seu artigo 43 deixa claro o âmbito de aplicação do referido diploma legal: somente o “desporto profissional”. As consequências atingem também a Lei de Incentivo ao Esporte, que veda a utilização de recursos incentivados com base na referida norma para o pagamento de remuneração de atletas profissionais (Lei no 11.438/06, art. 2º, § 2º), bem como para o custeio de quaisquer despesas relativas à manutenção e organização de equipes profissionais ou de competições profissionais (Decreto no 6.180/07, art. 5º, § 2º).

Com efeito, diversos projetos de vôlei, basquete e futsal enquadrados na manifestação desportiva rendimento são aprovados pela Comissão Técnica da Lei de Incentivo ao Esporte sob o fundamento de que nas competições de tais modalidades, mesmo nas Ligas Nacionais, não há a participação de atletas profissionais.

A definição do caráter profissional ou não profissional da competição ganha ainda mais importância quando analisamos o art. 43 da Lei Pelé, que veda a participação em competições desportivas profissionais de atletas não profissionais com idade superior a vinte anos.

É incompreensível e injustificável que um atleta autônomo não possa ser considerado profissional se auferir rendimentos da prática esportiva que extrapolem os limites de ressarcimentos de despesas com sua atividade. Aliás, é neste sentido que dispõe o Regulamento da FIFA sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores[7] :

  1. Estatuto de jugadores: jugadores aficionados y profesionales:
  2. Los jugadores que forman parte del fútbol organizado son aficionados o profesionales.
  3. Un jugador profesional es aquel que tiene un contrato escrito con un club y percibe un monto superior a los gastos que realmente efectúa por su actividad futbolística. Cualquier otro jugador se considera aficionado.

Outra anomalia que desafia a lógica decorre do § 3º do art. 28A da Lei Pelé, ao excluir do conceito de autônomo o atleta maior de 16 anos, de modalidade coletiva, que não mantém relação empregatícia com entidade de prática desportiva. Ora, se a lei torna obrigatória a celebração de contrato especial de trabalho desportivo apenas na modalidade futebol (art. 94) e só podem ser considerados autônomos os atletas de modalidades individuais, os demais que celebram contratos de natureza civil com entidades de práticas desportivas e vivem exclusivamente do esporte seriam o que, afinal?

É certo que os atributos da autonomia (SANSEVERINO, 1976, p. 45)[8] se afeiçoam mais às modalidades individuais de prática desportiva, sendo o trabalho subordinado característica dos chamados esportes de equipe, conforme salienta LEAL AMADO (2002, p. 45/46):

A verdade é que, como aliás sucede com tantas outras profissões, nada impede que a atividade desportiva seja profissionalmente prestada ao abrigo de outros contratos que não o contrato de trabalho, maxime contratos de prestação de serviços. Em certas modalidades, designadamente em modalidades individuais (como o golfe, o tênis, o boxe, etc.), bem poderá concluir-se, analisando a concreta configuração da relação em causa, que o praticante desportivo profissional é alguém que trabalha por conta própria, é um trabalhador autônomo: a figura do praticante/trabalhador subordinado é, pelo contrário, característica dos chamados desportos de equipa (futebol, basquetebol, andebol, voleibol, basebol, hóquei, râguebi, etc.).

Mas não há incompatibilidade essencial que justifique a limitação do trabalho autônomo apenas às modalidades individuais, deixando num limbo sem qualificação as coletivas em que a prestação é admitida em face de contratos de natureza civil, o que só gera insegurança jurídica. O fato de sujeitar-se o atleta, nesses casos, a dias, horários e locais pré-determinados para treinos e jogos, bem como a diretrizes técnicas e táticas coletivas, não afeta a liberdade de prática de que trata o art. 3º, § 1º, II, da Lei 9.615/98. Esta diz respeito à possibilidade de o atleta vincular-se e desvincular-se da entidade desportiva a qualquer tempo, sem ônus para qualquer das partes, o que não ocorre quando o trabalho é prestado em face de um contrato especial de trabalho desportivo, para o qual se exigem formalidades essenciais, como veremos em item próprio, além de cláusulas moderadoras da liberdade de desvinculação[9].

Aproximar o enquadramento legal da realidade seria, por exemplo, resgatar os conceitos de semiprofissional e de amador que constavam da redação original da Lei 9.615/98 (art. 3º, § 1º, II), como desdobramentos do modo não profissional de prática desportiva. Contudo, sem limitar o modo semiprofissional a contratos próprios e específicos de estágio, como proposto originalmente na Lei Pelé, mas aplicando este conceito à prática desportiva identificada pela liberdade e pela inexistência de contrato de trabalho em que haja o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio não superiores ao simples ressarcimento de despesas, isto é, sem caracterizar remuneração por trabalho prestado. Consoante, aliás, dispunha a Lei Zico (Lei 8.672/93), cuja redação recebeu contribuição valiosa do Prof. Álvaro Melo Filho, tendo sido aprovado o art. 3º, § único, II, nos seguintes termos:

O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I – de modo profissional, caracterizado por remuneração pactuada por contrato de trabalho ou demais formas contratuais pertinentes;

II – de modo não profissional, compreendendo o desporto:

  1. a) semiprofissional, expresso pela existência de incentivos materiais que não caracterizem remuneração derivada de contrato de trabalho;
  2. b) amador, identificado pela inexistência de qualquer forma de remuneração ou de incentivos materiais.

Com isso, ao mesmo tempo, aproximariam-se as definições legais à realidade da vida e, no caso do futebol, às normas da FIFA.

Estender a obrigatoriedade de celebração formal de contrato especial de trabalho desportivo a todas as demais modalidades coletivas, além do futebol, em que o atleta seja remunerado, e não simplesmente ressarcido de gastos inerentes à prática desportiva, não há dúvida que traria maior segurança jurídica, mas poderia inviabilizar economicamente muitas entidades e modalidades.  Uma alternativa que tem sido cogitada para minimizar esse efeito negativo, e que parece interessante, é a de estabelecer limites de tributação e de encargos sociais em face do montante auferido, com taxas progressivas, tal como na tabela do Imposto de Renda.

 

  1. Natureza jurídica do contrato especial de trabalho

 

Dada a importância capital do contrato especial de trabalho desportivo para o reconhecimento da profissionalização no desporto, segundo o ordenamento legal vigente no Brasil, é fundamental discorrer sobre sua natureza jurídica.

Contrato de trabalho desportivo é conceituado na doutrina como aquele “avençado entre atleta (empregado) e entidade de prática desportiva (empregador), através de um pacto formal, no qual resta claro o caráter de subordinação do primeiro em relação a este último, mediante remuneração e trabalho prestado de maneira não eventual” (ZAINAGHI, 2004, p. 15-17).

Além dos elementos extrínsecos, ou pressupostos (capacidade, legitimação e idoneidade do objeto), intrínsecos (consentimento e causa) e dos requisitos genéricos de um contrato de trabalho comum (subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade), o contrato de trabalho desportivo tem especificidades que o diferenciam radicalmente: 1) forma prescrita em lei; 2) determinação de prazo; 3) obrigatoriedade de o empregador ser pessoa jurídica; 4) sujeição a um termo estabilizador (cláusulas indenizatória e compensatória), o que permite seja o vínculo de emprego considerado, enquanto vigente, como um ativo patrimonial da entidade empregadora.

Outras especificidades que alargam a distância entre a relação de trabalho desportivo e a relação de emprego comum regida pela CLT são: A) competitividade desportiva, que pressupõe incerteza de resultados, em lugar de concorrência econômica entre empresas[10]; B) alteridade[11] não voltada primordialmente ao lucro; C) simbiose de interesses atleta-clube.

A forma prescrita em lei (art. 28 da Lei 9.615/98) é, certamente, o elemento constitutivo diferenciador mais relevante, pelo menos para o propósito deste estudo. A exigência de que o contrato especial de trabalho desportivo seja firmado com entidade de prática desportiva, com determinação de prazo e outras avenças obrigatórias (parágrafos e incisos do citado art. 28), de plano o incompatibiliza com os preceitos contidos nos arts. 442[12] e 443[13] da CLT. Neste sentido é, dentre outros, o entendimento de CAPUTO BASTOS (2014, p. 112), ao tratar do contrato de trabalho do atleta de futebol:

Pela leitura atenta do referido dispositivo de lei, vê-se com alguma clareza que a formalidade exigida para o contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional de futebol não encontra ressonância no contrato de trabalho do trabalhador comum, que, como já se disse, pode ser originário de contratação tácita, o que promove, inexoravelmente, a distinção preconizada.

Ao contrário do contrato de trabalho comum, em que a forma de celebração é livre, o contrato de trabalho desportivo tem forma especial, expressamente prevista em lei. Não se trata de mera exigência ad probationem [14], mas de substância do ato, pois as partes devem ajustar e fazer constar do instrumento contratual cláusulas obrigatórias.

Segundo a lição de VENOSA (2013, p. 438),

Serão formais os contratos cuja validade depender da observância de uma forma preestabelecida pela lei. Aqui, há uma distinção de importância, qual seja, os contratos cuja forma é exigida pela lei ad probationem e aqueles cuja formalidade tem caráter constitutivo ou solene. Assim, nos contratos que são, além de formais, solenes, se não obedecidas as formalidades, o negócio carece de efeito, como ocorre entre nós na alienação de imóveis de valor superior ao legal. Por outro lado, a formalidade só é exigida para a prova do negócio em outras situações em que a lei condescende com a validade do ato, ou para a geração de algum efeito entre as partes.

No mesmo sentido DINIZ (2004, p. 132):

A forma é o meio pelo qual se externa a manifestação da vontade nos negócios jurídicos, para que possam produzir efeitos jurídicos. Nosso Código Civil inspira-se no princípio da forma livre, o que quer dizer que a validade da declaração de vontade só dependerá de forma determinada quando a norma jurídica explicitamente o exigir. A forma livre é qualquer meio de exteriorização da vontade nos negócios jurídicos, desde que não previsto em norma jurídica como obrigatório.

Com efeito, dispõe o art. 107 do Código Civil Brasileiro que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir, o que sem dúvida se aplica subsidiariamente ao Direito do Trabalho (art. 8º, § único, da CLT), porque:

O contrato de trabalho é um negócio jurídico entre particulares, submetido, por conseguinte, aos princípios comuns aos contratos de Direito Privado. Em sua natureza e estrutura, nos elementos constantes que caracterizam essa inconfundível categoria jurídica, se rege pelas normas gerais que a regulam. Todos os contratos civis e entre estes, o contrato de trabalho, estão sujeitos a estas regras comuns, relativas à capacidade das partes, à idoneidade do objeto, à licitude da causa, ao consentimento e à forma (GOMES, 1974, p. 94).

O aspecto solene do contrato de trabalho desportivo caracteriza-se e se justifica, também, porque é apenas o ajuste instrumentalizado sob a forma expressamente prevista no art. 28 da Lei 9.615/98 – na modalidade em que ele é obrigatório ou, nas demais, quando for ajustada vinculação empregatícia – que pode criar o vínculo desportivo acessório, o qual constitui-se com o registro[15] do contrato na entidade de administração do desporto (§ 5º da Lei Pelé). Um contrato tácito de trabalho desportivo, além de juridicamente impossível, não seria apto a gerar vínculo desportivo.

Logo, o contrato de trabalho desportivo não é do tipo meramente consensual. Apesar de a CLT prever no seu art. 443 a possibilidade de o contrato de trabalho ser ajustado verbalmente ou por escrito, prevalecendo, assim, o princípio da informalidade, para o contrato de trabalho desportivo essa norma não se aplica, justamente por se tratar de um contrato do tipo formal e solene, conforme expressa previsão legal (SÁ FILHO, 2010, p. 54).

CATHARINO (1969, p. 15-17), em clássica e especializada obra, já deixava claro:

Quanto à forma, o contrato de emprego atlético apresenta-se diferente do gênero a que se pertence. Realmente, enquanto o contrato de emprego comum pode até ser tacitamente ajustado (CLT, art. 442), aquele forma ao lado dos contratos de emprego marítimo, artístico e discente (de aprendizagem). Quanto a eles, a forma escrita é da substância do negócio jurídico, e não apenas ad probationem (ver Cód. Civ. Art. 145, III). Assim sendo, o contrato em causa só é válido se celebrado por escrito, na presença de duas testemunhas.

LEAL AMADO (2002, p. 136) atesta que também no Direito Português, segundo o art. 5º da Lei nº 28/98, o contrato de trabalho desportivo é um negócio jurídico formal ou solene[16]          .

 

4.1. A jurisprudência trabalhista.

 

            A rígida definição legal da prática desportiva profissional, o descompromisso dessa definição com a realidade, conforme referimos no item 3, tudo isso aliado ao verdadeiro choque de princípios no cotejo entre as especificidades do direito desportivo e, em particular, do contrato especial de trabalho desportivo com o direito do trabalho em geral e, especificamente, com o contrato individual de trabalho regido inteiramente pela CLT, geram um quadro caótico na jurisprudência sobre a matéria, de absoluta insegurança jurídica.

Nas instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho brasileira tem predominado, acentuadamente, decisões que admitem a possibilidade de reconhecimento de contrato tácito de trabalho desportivo, com base no princípio da primazia da realidade, ainda que isso desafie a incompatibilidade decorrente dos requisitos formais impostos pela lei especial (art. 28 da Lei 9.615/98). Exemplificativamente, podemos citar os seguintes julgados:

ATLETA PROFISSIONAL – VÍNCULO DE EMPREGO – O princípio da primazia da realidade se impõe em qualquer circunstância que se verifique manobra com o fim de fraudar ou impedir a aplicação de preceitos trabalhistas. In casu, restou evidenciado nos autos que a equipe de handebol da qual fazia parte o reclamante não era formada por amadores, mas sim por profissionais. Além disso, o contrato de cessão de direito de imagem firmado entre as partes, trata da participação do autor como “jogador profissional”. Nesse contexto, há que se reconhecer o vínculo de emprego do autor com o reclamado na qualidade de atleta profissional. [17]

As relações entre atletas de práticas desportivas de rendimento diferentes da  modalidade de futebol e os respectivos clubes ou agremiações são, em geral, não profissionais e, portanto, não configuradoras de vínculo de emprego. Exceções à regra são possíveis desde que exercida a faculdade legal para firmatura de contrato de trabalho ou quando, pelo princípio da primazia da realidade, estejam presentes, de forma inequívoca, os requisitos previstos no art. 3º da CLT. [18]

No caso em exame, embora o vínculo desportivo seja incontroverso, é incontroverso também que não houve pactuação de contrato na forma exigida na precitada legislação especial. Contudo, diante dos elementos apurados nos autos, é possível afirmar que a pactuação ajustada entre as partes estabelece relação desportiva profissional e caracteriza relação jurídica de emprego. [19]

A Lei 9.615/98 estabelece as normas gerais sobre desporto. (…) De acordo com a Lei acima citada, o que caracterizaria o desporto profissional é a remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva. Todavia, na hipótese dos autos, a inexistência de contrato formal é exatamente o fundamento do autor para demonstrar a irregularidade em sua contratação. Resta evidenciado nos autos que o intuito das partes era a prática desportiva através da obtenção de lucro, de modo que, em se tratando de pratica desportiva exercida em caráter profissional, inexiste impedimento para o reconhecimento de vínculo empregatício. Na verdade, esta forma de contratação visou, tão somente, a desvirtuação do desporto profissional, sob uma falsa terceirização de gestão desportiva. [20]

Todavia, mesmo nessas instâncias, a matéria não é pacífica:

CONTRATO DE ATLETA NÃO-PROFISSIONAL. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO.  Evidenciado o desenvolvimento de atividade desportiva de rendimento na modalidade não profissional, nos termos do art. 3º, parágrafo único, II, da Lei nº 9.615/98, inviável reconhecer o vínculo de emprego com a entidade de prática desportiva contratante. Provimento negado. [21]

O Tribunal Superior do Trabalho tem poucos julgados enfrentando o mérito da controvérsia, pois a maioria dos recursos de revista esbarra no não conhecimento decorrente da aplicação da Súmula 126 [22] daquela Corte. Entre os que examinam o mérito também há decisões díspares, mas é majoritária a corrente pela impossibilidade de reconhecimento de contrato tático de trabalho desportivo:

A formalização do contrato de trabalho é requisito essencial para que se caracterize o vínculo jurídico de emprego do atleta profissional a teor do artigo 28, da Lei 9.615/98. (…) Impossível aplicar-se ao contrato de trabalho do atleta profissional o princípio da primazia da realidade como pretende o reclamante. (…) Não obstante, a subordinação às ordens do treinador ou supervisor da equipe desportiva é inerente à própria prática da atividade, o que não caracteriza a subordinação jurídica a que alude o artigo 3º consolidado.[23]

A regra geral consolidada não se aplica sobre a especial extravagante. O ‘contrato-realidade’ não prevalece quando há norma expressa facultando o clube a admitir desportista não-profissional sem vínculo empregatício.[24]

RECURSO DE REVISTA. JOGADOR DE FUTSAL. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que o futebol de salão não é, no Brasil, modalidade profissional. Já o art. 28 da Lei 9.615/98, com redação anterior à dada pela Lei 12.395/2011, é expresso em exigir a formalização do contrato de trabalho para que se caracterize o vínculo empregatício do atleta. Assim, embora, no caso, o Tribunal Regional tenha reconhecido a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego nas atividades do Reclamante, a ausência de formalização expressa do contrato de trabalho impede o reconhecimento do vínculo empregatício. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento. [25]

O fato de a prática de basquetebol não ser reconhecida como desporto de rendimento profissional não constitui obstáculo à aplicação da CLT, haja vista estar caracterizada a condição jurídica de empregado do recorrido, definida no art. 2º da CLT e, por conseguinte, a condição de empregador da recorrente (art. 3º da CLT). [26]

Porém, como o número maior de litígios se esgota no exame de mérito perante as instâncias ordinárias, na prática há um maior número de decisões pelo reconhecimento de contrato de trabalho desportivo, quando presentes os requisitos genéricos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, mesmo sem os elementos constitutivos essenciais que o caracterizam como um contrato do tipo formal e solene, previstos no art. 28 da Lei 9.615/98, cuja aplicabilidade, por ser lei especial, afasta a regra geral do art. 443 da CLT.

 

4.2. Nulidade do contrato e suas consequências.

 

A dicotômica jurisprudência, como visto, esgota-se no debate entre ser ou não possível o reconhecimento de vínculo de emprego de atleta profissional quando presentes os requisitos genéricos de uma relação empregatícia, mesmo não atendida a forma prescrita em lei, o que é tão limitado quanto gerador de insegurança jurídica.

Nos casos em que se conclui ser possível o reconhecimento, trata-se o contrato como se tivesse eficácia plena, e evidentemente não tem, por falta de elemento constitutivo essencial. Além disso, na hipótese de condenação, como quantificar a cláusula compensatória, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nos termos do art. 28, II, da Lei 9.615/98, se o respectivo valor deve ser “livremente pactuado pelas partes e formalizado no contrato de trabalho desportivo, observando-se como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato” (§ 3º)? E como levar a registro o contrato assim reconhecido, perante a entidade de administração do desporto, se apenas aquele, formal e expressamente celebrado, é passível de registro, tal como dispõe o § 5º do art. 28 da Lei Pelé? Talvez porque na imensa maioria dos casos litiga-se em face de relação já extinta esta última questão não seja geradora do impasse que haveria se reconhecido vínculo durante sua vigência.

E nos casos em que se conclui pela impossibilidade de reconhecimento de contrato tácito de trabalho desportivo, presentes os requisitos de uma relação empregatícia, nada se decide sobre a contraprestação ao trabalho prestado mesmo em face de um contrato nulo.

Dispõe o art. 166, IV, do Código Civil Brasileiro: É nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei.

A nulidade do ato ou negócio jurídico tem, a princípio, efeitos ex tunc, ao contrário da anulabilidade, cujos efeitos são ex nunc. Mas a natureza especial da relação de emprego não se compadece com a retroatividade dos efeitos da decretação de nulidade (GOMES E GOTTSCHALK, 2000, p. 114). Os mesmos autores explicitam:

O princípio, segundo o qual o que é nulo nenhum efeito produz, não pode ser aplicado ao contrato de trabalho. É impossível aceita-lo em face da natureza da prestação devida pelo empregado. Consistindo em força-trabalho, que implica em dispêndio de energia física e intelectual, é, por isso mesmo, insuscetível de restituição. (…) Porque a verdade é que a ‘retroatividade’ só teria cabimento se o empregador pudesse devolver ao empregado a energia que este gastou no trabalho. Mas, como isso não é possível, os efeitos da ‘retroatividade’ seriam unilaterais, isto é, beneficiariam exclusivamente ao empregador, como pondera De la Cueva, ao criticar a opinião de Hueck-Nipperdey.

Não destoa a doutrina de LEAL AMADO (ob. cit., p. 142) ao comentar o ordenamento legal português:

Assim, a preterição da forma legal implicará a invalidade do contrato de trabalho desportivo (art. 5º/2), na senda do disposto no art. 220º do CCiv ([27]). De todo modo, verificando-se a existência de uma relação laboral desportiva sem que o respectivo contrato de trabalho tenha sido reduzido a escrito – hipótese pouco verosímil na área do “profissionalismo oficializado” (1ª e 2ª liga de futebol, campeonato da liga de basquetebol…), mas, pensa-se, nada rara na área do “profissionalismo encapotado” (handebol, voleibol, hóquei…) -, importa não esquecer que a declaração de invalidade deste contrato não produzirá efeitos retroactivos, operando apenas ex nunc, em virtude do disposto no art. 15º/I da LCT.

Logo, salvo melhor juízo, a solução jurídica mais adequada e que melhor se harmoniza ao ordenamento vigente, quando não seja possível deixar de reconhecer, pelo princípio da primazia da realidade, a existência dos requisitos de uma relação de emprego entre atleta e entidade de prática desportiva, e não tenha o contrato sido celebrado com a formalidade exigida em lei como elemento essencial de validade do negócio jurídico, passa longe da declaração judicial de um contrato de trabalho desportivo com eficácia plena, extraindo-se a fórceps um conceito de profissionalização que, embora albergado em acepção comum, se choca frontalmente com os pressupostos estabelecidos em lei que, gostemos ou não, está em vigor.

Mesmo nulo o contrato, ele é existente no mundo jurídico e pode gerar efeitos no plano fático, tanto que por força dele, na hipótese antes referida, o trabalho terá sido prestado e é, por natureza, irreversível. Para PONTES DE MIRANDA (1983, T. IV, p. 16), toda invalidade se liga ao momento em que se faz jurídico o suporte fático e toda eficácia será decorrente da juridicidade do fato jurídico.

Não sendo possível a restituição de que trata o art. 884 do Código Civil[28], impõe-se compatibilizar a vedação de ajuste tácito de um contrato do tipo formal e solene com o princípio da primazia da realidade vigente no Direito do Trabalho e o da vedação ao enriquecimento sem causa. E, por não se tratar de nulidade decorrente de objeto ilícito, ou de proeminente interesse público, é apenas em parte pertinente, por analogia, a Súmula 363 do TST[29], aplicando-se a teoria juslaboralista de nulidades (DELGADO, 2001, p. 74), em face da qual deve-se assegurar, mesmo em face da nulidade (ex nunc), a remuneração pactuada pelo trabalho prestado.

 

  1. Conclusão.

 

O critério utilizado pelo legislador para definir como profissional uma prática desportiva, tendo como baliza principal o contrato especial de trabalho desportivo, formal e solene por expressa disposição legal, se por um lado tem preservado a viabilidade de muitas modalidades esportivas, por outro tem-se mostrado insuficiente para regular, com razoabilidade e conformidade ao que se deve entender por profissão, todas as atividades que têm como objeto o desporto, sem embargo da insegurança jurídica que conceitos equívocos e distantes da realidade da vida ocasionam.

De lege data, a utilização de mão-de-obra, com objetivo de obter renda, mediante remuneração e presentes os demais requisitos de uma relação de emprego, sem a formalização prevista no art. 28 da Lei 9.615/98, inviabiliza o reconhecimento de contrato especial de trabalho desportivo válido, mas não a garantia de contraprestação pelo trabalho despendido, para evitar-se enriquecimento sem causa.

De lege ferenda, impõe-se aproximar a definição de prática profissional à sua acepção comum e resgatar os conceitos de semiprofissional e amador como desdobramentos do modo não profissional de prática desportiva. Teríamos, assim, o desporto de rendimento podendo ser organizado e praticado: 1) de modo profissional, com remuneração decorrente de contrato especial de trabalho desportivo, ou de contrato de natureza civil cuja contraprestação supere os limites de simples ressarcimento dos gastos com a prática desportiva; 2) de modo semiprofissional, caracterizado pela existência de incentivos materiais suficientes a cobrir os gastos com a prática desportiva; 3) amador, identificado pela inexistência de qualquer forma de remuneração ou de incentivos materiais.

Alternativa mais avançada e que traria maior segurança jurídica, sem prejuízo do desdobramento referido nos itens 2 e 3, seria quanto ao item 1 tornar obrigatório o contrato especial de trabalho desportivo não apenas na modalidade futebol, como é hoje, mas em todas aquelas em que o atleta seja remunerado, e não simplesmente ressarcido de gastos inerentes à prática desportiva, estabelecendo-se limites de tributação e de encargos sociais em face do montante auferido, com taxas progressivas, tal como na tabela do Imposto de Renda, como forma de não inviabilizar modalidades de menor apelo econômico.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Advogado, sócio de GEHLING ADVOGADOS. Membro Fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo. Professor convidado da PUC-RS. Email: ricardo@gehling.com.br

[2] In Atleta Profissional: Natureza Jurídica do Contrato, Duração do Trabalho e Acréscimos Remuneratórios – DIREITO DO TRABALHO DESPORTIVO – Os Aspectos Jurídicos da Lei Pelé frente às Alterações da Lei 12.395/2011, Org. e Coord. Alexandre Agra Belmonte, Luiz Phillippe Vieira de Mello e Guilherme Augusto Caputo Bastos, São Paulo, LTr, 2013, p. 223-4.

[3]http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=profissional (Acesso em 04/02/2016).

[4] É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional.

[5] Excluem-se da profissionalização, portanto, o desporto educacional, o desporto de participação e o desporto de formação (incisos I, II e IV do art. 3º da Lei 9.615/98).

[6] Art. 94.  O disposto nos artigos 27, 27-A, 28, 29, 29-A, 30, 39, 43, 45 e no § 1º do art. 41 desta Lei será obrigatório exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol. Parágrafo único. É facultado às demais modalidades desportivas adotar os preceitos constantes dos dispositivos referidos no caput deste artigo.

[7]http://resources.fifa.com/mm/document/affederation/administration/02/70/95/52/regulationsstatusandtransfer_2015_s_v051015_spanish.pdf (Acesso em 11/02/2016)

[8] Segundo a doutrinadora italiana: “a) no trabalho subordinado, a tônica cai no desenvolvimento de certa atividade, e se trata de trabalho genérico, para ser mais preciso, de obrigação duradoura de meios ou de comportamento, vinculada às diretrizes técnicas e organizativas do credor; b) no trabalho autônomo, a nota recai na obtenção de um resultado, tratando-se de trabalho específico e, por melhor dizer, de obrigação instantânea de resultado em senso estrito.”

[9] Cláusulas indenizatória desportiva (devida à entidade de prática desportiva) e compensatória desportiva (devida pela entidade de prática desportiva ao atleta), nos termos do art. 28, I e II, da Lei 9.615/98.

[10] Supera-se o conceito clássico de “trabalho realizado no interior do modo de produção capitalista, no qual a força de trabalho que é vendida pelo trabalhador através do salário, torna-se mercadoria, concentrado e realizado sob as determinações do processo de produção” (GENRO, 1985, p. 25).

[11] “A presente diretriz é também conhecida pela denominação alteridade (alter:outro; – i –; dade: qualidade – isto é, qualidade do outro ou que está no outro). Sugere a expressão que o contrato de trabalho transfere a uma única das partes todos os riscos a ele inerentes e sobre ele incidentes: os riscos do empreendimento empresarial e os derivados do próprio trabalho prestado” (DELGADO, 2001, p. 69-70)

[12] Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

[13] O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.

[14] “A forma ad probationem é aquela utilizada apenas para provar um ato, podendo portanto ser substituída por outro meio de prova.  A forma ad substantiam por sua vez, não pode ser substituída e não tem apenas o papel de provar o ato” (BEER, Veronica, 2014).

[15]  CAIO MÁRIO (1986, v. 3:42) chama a atenção para o que denomina formalismo indireto, quando se exige o registro público de um instrumento contratual, como sucede com a cessão de crédito, por instrumento particular, para que se torne oponível contra terceiros.

[16] Nota do Autor citado: “É claro que, como não há declaração sem forma, em certo sentido todos os negócios jurídicos são formais. Por isso mesmo, autores há que, para referenciarem os casos em que é exigida uma forma especial para determinado negócio, preferem falar em negócios solenes do que em negócios formais – assim, p. ex., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil…, cit., vol. II, pp. 47 e ss.”

[17] TRT/RJ – Processo RO 01420006820025010044 RJ; Relatora: Desª Maria De Lourdes Sallaberry; Julgamento: 14/08/2006; 8ª Turma; Publicação: 12/09/2006.

[18] (TRT/RS – Processo 0127700-04.2006.5.04.0004 RO; 4ª Turma; Rel. Des. Milton Varela Dutra; Publicação: 08/11/2007)

[19] Excerto de sentença do Juízo do Trabalho da Vara de Carazinho, RS, reproduzida no Acórdão do TRT/RS – Processo 0001240-37.2015.5.04.0561 RO; 10ª Turma; Rel: Des. João Paulo Lucena; publicação: 18/09/2014.

[20] TRT/15 – Processo RO-0000086-10.2012.5.15.0033; 1ª Turma; Red: Juiz-Conv. Evandro Eduardo Maglio; Publicação: 15/05/2015.

[21] TRT/RS – Processo 0138900-91.2009.5.04.0201 RO; 8ª Turma; Rel: Desª Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo; publicação: 09/09/2011.

[22] RECURSO. CABIMENTO – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, “b”, da CLT) para reexame de fatos e provas.

[23] TST RR-99300-33.2003.5.01.0015; 8ª Turma; Rel: Min. Dora Maria da Costa; Publicação: 25/04/2008.

[24] TST AIRR-235240-64.2003.5.02.0201; 6ª Turma; Rel: Min. Maurício Godinho Delgado; Publicação: 25/08/2010.

[25] TST – RR-431-08.2011.5.09.0411; 4ª Turma; Rel. Min. Fernando Eizo Ono; Publicação: 31/10/2014.

[26] TST-RR-446900-55.2006.5.12.0050; 6ª Turma; Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho; Publicação: 11.05.2011.

[27] Nota do Autor citado: “Solução idêntica vigora na Itália (art. 4º, § 1º, da Lei nº 91/1981), mas já em Espanha a doutrina considera a exigência de documento escrito como uma formalidade ‘ad probationem’, cuja inobservância não implica a invalidade do contrato de trabalho desportivo – neste sentido, v., p. ex., Sagardoy Bengoechea & Guerrero Ostolaza, El Contrato de Trabajo des Deportista Profesional, Civitas, Madrid, 1991, pp. 52 e ss., e Roqueta Buj, El Trabajo…, cit., pp. 128 e ss.”

[28] (Do Enriquecimento Sem Causa) – Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

[29] CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 – A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.